UFG discute feminicídio e silenciamento
Na última quarta-feira,13 de junho, alunos do curso de Geografia e de Jornalismo da UFG participaram da palestra "População e violência", promovida pelo Instituto de Estudos Socioambientais. O gancho para discussão foi a divulgação do Atlas da violência pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) , que aponta o aumento e a persistência da violência contra homens jovens e negros
Por Francisca Patrícia
Na última quarta-feira,13 de junho, alunos do curso de Geografia e de Jornalismo da UFG participaram da palestra "População e violência", promovida pelo Instituto de Estudos Socioambientais. O gancho para discussão foi a divulgação do Atlas da violência pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) , que aponta o aumento e a persistência da violência contra homens jovens e negros.
Uma das palestrantes foi a professora Luana Silva Borges, graduada em Jornalismo pela Faculdade de Informação e comunicação (FIC) e mestre em Literatura pela UFG, que aproveitou a ocasião para "por o dedo na ferida" e falar sobre feminicídio, assédio sexual e violência de gênero, a partir da leitura do conto "a língua do p", de Clarice Lispector.
A palestrante falou ainda sobre o discurso midiático perante a realidade de feminicídio e a luta pela tipificação de tal crime. "Sobretudo é necessário ponderar que há uma dificuldade de se caracterizar o feminicídio. Então, a população que mais é assassinada são homens jovens e negros, mas também há uma população com risco específico, e que fica diluída nesses dados gerais. Por isso existe uma luta do movimento feminista para a tipificação do feminicídio junto ás pessoas do Direito, para se gerar dados."
Ela acrescentou: "É necessário tipificar porque a condição de silenciamento não permite a discussão, e as coisas, para existirem, precisam ter uma existência linguística. Nesse sentido, quando o feminicídio ou a violência contra mulher é colocada no bojo total dos outros crimes, é como se nós não estivéssemos sendo mortas porque somos mulheres, porque temos esse corpo.”
A professora apontou seu papel “Fazer com que a gente tente dar uma solidez para essa coisa que é muito diluída, ainda pelo próprio discurso midiático e pelos dados que a gente gera." Antes de falar sobre o texto de Lispector, a professora se dirigiu as mulheres que formavam a plateia e perguntou quantas delas já haviam sentido medo de serem estupradas. O impressionante é que todas, sem exceção, levantaram a mão. Os homens ali presentes não conseguiam disfarçar o susto e a surpresa diante de tal realidade.
Foto: Carolina Ferreira
Para Luana Borges, em paráfase com o conto de Lispector, "A Língua do P" é um código. Que nós, mulheres, aprendemos desde criança para proteger nosso corpo da violência.
“Ser gente”
Após a leitura do conto de Clarice, publicado no livro A via cruzes do corpo,no ano de 1974, Luana discorreu sobre o tema, mesclando ficção e realidade. Falou sobre heteronomia, patriarcado, citou trecho de música machista. E lamentou ao falar sobre o discurso machista que é reproduzido também por mulheres. Apresentando dados sobre assédio sexual e estupros no Brasil, disse que o machismo é responsável pelo aumento dos casos de feminicídio e violência sexual; já que o pensamento machista perpetua a ideia de que o corpo da mulher não pertence a ela, e,sim, ao companheiro,por exemplo.
No final da palestra, Raiane, estudante do curso de Geografia, se levantou e dirigiu perguntas á professora sobre machismo e sobre o ensino de ideologia de gênero nas escolas. Luana iniciou sua resposta afirmando que ideologia de gênero é um termo errôneo, e acrescentou: “A linha Cristã, seja ela católica, seja ela evangélica, as pessoas que sequer têm religião mas que seguem um pensamento muito moralista, deturpam o conceito de ideologia e o conceito de gênero também, como se você fosse obrigado a seguir determinada orientação sexual. O que a gente tem que ensinar é que, enquanto o sexo é biológico, o gênero, aquilo que você faz com o seu sexo,é aprendido culturalmente. E que você não tem uma obrigação de ser qualquer coisa ou de corresponder a qualquer coisa muito fechada.” Ela finalizou dizendo que ensinar a desconstruir um conceito enrijecido de gênero e de performances sexuais não é ensinar ser gay. É ensinar a ser gente.
Em entrevista à Agência Moara, Eduardo Borges, estudante do curso de jornalismo, relatou: “Durante a leitura do conto, senti desconforto; e acho que provocar essa sensação foi o que Clarice Lispector planejava. Justamente por conta do modo como a narrativa foi construída, dando mais tensão a cada novo acontecimento. o conto foi muito bem interpretado pela professora Luana Se não se limitou a passar por cima acho que isso contribuiu para consolidar o sentimento de urgência quanto ao debate sobre violência contra a mulher.”
Atlas da violência
O professor Weber David de Freitas, graduado e Doutor em Geografia pelo IESA e atualmente professor do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia de Goiás, falou de violência á partir do Atlas da violência, relacionando a conceitos da Geografia crítica ligada ao Marxismo. Pontuou que a violência está relacionada a concepção de estado. Para tal, citou autores clássicos como o Rousseau." Há vários tipos de violência, claro que a violência que mais nos choca é a violência física. Mas existe a violência simbólica. A liberdade de um indivíduo pode, em algum momento, entrar em conflito com a liberdade de outro indivíduo. E a violência é gerada a partir disso." Segundo o professor, é por isso que é necessário existir uma instituição que controla os conflitos. E para ele, em nossa sociedade esse ente é o Estado que controlando os conflitos, paradoxalmente captura a liberdade dos cidadãos, e também produz violência.
Durante sua fala, o doutor discorreu sobre desigualdade econômica, competição, violência criminal e sobre a valorização das forças de segurança e a desvalorização da educação, apresentando os números discrepantes entre o salário de um policial militar e de um professor.
Segundo dados do IPEA, o Brasil possui uma média de mais de 30 homicídios por cada cem mim habitantes. As regiões com maiores índices de violência são nordeste, norte e centro oeste No país, 33.590 jovens foram assassinados em 2016, sendo 94,6% do sexo masculino. E a taxa de homicídios de negros foi duas vezes e meia superior á de não negros (16,0% contra 40,2%).
Foto: Carolina Ferreira
No auditório, cerca de sessenta pessoas assistiam atentamente a palestra.