
Victor Lisita
Perspectivas para o futuro do mercado de cinema são de estabilidade

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Desde seu surgimento, o mundo virtual tem mudado padrões, possibilitado encurtar distâncias, expandir conhecimento e trocar experiências com pessoas ao redor do globo. Dentre as capacidades disponíveis, está a de assistir conteúdos de entretenimento online (séries, curtas e longas-metragens) tanto oficialmente, via fluxos de mídia, os serviços streaming, quanto de forma pirata, por downloads em sites especializados. Somente nos últimos dois anos, o número de filmes baixados ilegalmente chegou ao patamar de 1 bilhão de cópias. Os dados são da agência de monitoramento Excipio, que conseguiu rastrear 30 milhões de descarregamentos no mundo para o filme mais baixado em 2014 e um aumento desse número em 17 milhões para o vencedor de 2015. Estes dados e o aumento de assinantes em provedoras online de filmes e seriados permite questionar se o mercado cinematográfico de exibição pode se tornar obsoleto.
Somente no segundo trimestre de 2016, a empresa de streaming, Netflix, encerrou o período com um total de 83,2 milhões assinantes. Divulgado em nota pela provedora, o número está abaixo do esperado, que tinha como meta atingir 84 milhões de clientes. Entretanto, a apuração está acima do primeiro trimestre deste ano e sua receita e lucro encontram-se em aumento constante. O cineasta Matheus Vitorino destaca que a praticidade em provedores online é o mais atrativo. “Hoje se você decide ir ao cinema precisa botar no papel a questão financeira, o preço do ingresso, da pipoca, do estacionamento do local, e tudo isso não fica menos de R$80,00. O preço de uma assinatura mensal em um serviço de streaming, com um catálogo de mais de 1000 filmes e séries para assistir onde e quando quiser, sai por menos de R$30,00”, comenta.
Pormenores
Para conhecer a opinião do espectador, foi realizada uma enquete sobre a preferência das pessoas entre ir ao cinema e assistir filmes ou séries em domicílio. No total, 50 pessoas entre 19 e 53 anos de idade foram abordadas e constatou-se uma preferência de 66% em permanecer em casa. Entre os motivos relatados pelos entrevistados está a comodidade em não precisar se locomover para outro local e o tempo gasto no trajeto, visto que, em dias úteis, o trabalho exige mais atenção e aos finais de semanas 51% repousam em boa parte do período. Matheus Vitorino, como um espectador, prefere assistir ao conteúdo em sua moradia. Ele destaca que, além do custo menor, a tecnologia que permite pausar, voltar cenas e escolher outro produto o interessa mais que ir ao cinema.
O custo não influencia apenas Matheus, a enquete revelou que 88% dos entrevistados deixam de se deslocar ao cinema devido aos preços do ingresso. “Ingresso, pipoca, estacionamento, lanche pós-filme... Tudo isso tem um preço, e não é algo barato. As pessoas começam a analisar se realmente vale a pena e diminuem a ida ao cinema” disse Vitorino. Na Rede Cinemark do Shopping Flamboyant, por exemplo, a inteira para a sala XD (com uma tela maior que a tradicional) em um filme 3D está na faixa de R$33,00. Já nos Cinemas Kinoplex, no Goiânia Shopping, a inteira, tanto 2D quanto 3D, sai por volta de R$23,50. Para Cristiano Sousa, cineasta e idealizador de mais de 15 curtas-metragens, a tendência é que os preços diminuam quanto mais pessoas frequentarem o cinema.
Fidelidade dos cinéfilos garante bons números às salas de cinema e prova coexistência com os serviços de streaming e outras plataformas
a entrada dos cidadãos em ambientes culturais, entretanto, Marion evidencia que boa parte das pessoas não conhece o projeto. A pesquisa revelou que 96% dos entrevistados nunca ouviram falar do vale. “A divulgação desse projeto é muito falha. Provavelmente, as poucas pessoas que possuem são aquelas que procuraram saber”, afirma.
Das 50 pessoas abordadas para enquete, 38 pagam meia-entrada e ainda assim sentem-se incomodas com o valor atual do ingresso. “É preciso pesquisar para ir ao cinema. Até mesmo ir à um lugar diferente, que pode ter preços melhores e até mesmo qualidade superior”, lembra Cristiano. Atualmente, Goiânia possui 10 complexos espalhados pelos shoppings da cidade. Entramos em contato com os gerentes de todos os multiplex para averiguar sobre os números de espectadores, porém não houve retorno até o fechamento desta reportagem. O cineasta diz que “para ir ao cinema vale tudo. Desde comprar o ingresso antecipado por um preço inferior no supermercado ou adquirir em sites de compra coletiva que tem descontos em ingressos da maioria das redes para a inteira”.
Os 44% da enquete que optam por ir ao cinema compartilham do mesmo sentimento que Cristiano Sousa, alegando que não existe comparação entre as duas áreas e o sentimento que trazem. Para a bacharel do curso de Audiovisual na Universidade Estadual de Goiás (UEG), Déborah Caroline de Sousa, tudo relacionado ao cinematográfico lhe dá prazer, tanto em casa, quanto fora. Porém, ela ainda prefere ir ao cinema e aproveitar todo o “ritual” de lá. “Estudos comprovam que a atmosfera do dele, com as luzes totalmente apagadas, aquele som perfeito, aquela telona, enfim, todo o clima te faz emergir no universo do filme de uma maneira mais fidedigna do que assistir em casa, com distrações”, afirma.
Séries
Outro ponto de vista que poderia superar o mercado dos cinemas seria o mercado das séries de TV. As pessoas que não possuem condições econômicas para assinar algum serviço pago de TV e usufruir de uma programação que culturalmente destoa da programação da TV aberta, optam não apenas em assinar determinado serviço de streaming, como também baixar o conteúdo que não é facilmente disponibilizado. No ano de 2015, houve 48.5 milhões de downloads ilegais dedicados a séries. O blog TorrentFreak, destinado a computar os índices do que mais foi baixado na internet, revelou que o primeiro seriado do ranking teve 14.4 milhões de descarregamentos. Para Ana Carolina Barcelos, estudante de Jornalismo na UFG e que atualmente assiste a 40 séries, o atual preço do ingresso e tipo de filme a instigam a ficar em casa. Na enquete realizada, constatou-se que 70% do público assiste mais séries quando está em casa devido seu modo de estruturação mais amplo e duradouro que o dos filmes.
Contudo, Ana Carolina acredita que as chances são pequenas de ocorrer tal superação de mercado. “Ainda se vai muito ao cinema. Todo final de semana os eles estão lotados. Tem fila pra comprar pipoca, fila pra comprar ingresso, fica pra entrar na sala. Ou seja, isso mostra que as pessoas - mesmo com os serviços de streaming e download - continuam frequentando”, afirma. Para o estudante Marion Sabino, as séries não atrapalham de forma alguma o desejo em ir ao cinema. Ele comenta que, por serem dois ramos diferentes de mídia, existe um público para as duas opções. “Inclusive, conheço pessoas que gostam de a filmes e que não gostam de a assistir séries e vice-versa”, comenta. O coordenador do Projeto CineMundi do Coletivo Magnífica Mundi, Jean Souza, concorda que são produtos distintos. “Pense em assistir a Harry Potter como se fosse uma série de TV ou streaming. Ou assistir a Demolidor como uma série de filmes. São dois produtos diferentes que podem até compartilhar o mesmo público, mas possuem objetivos diferentes”, argumenta.
Streaming
Ao que tudo indica, o mercado de cinema continua forte em detrimento a outros nichos culturais. Porém, e se os grandes lançamentos do cinema pudessem ser exibidos diretamente no conforto de sua casa?! Esse é o objetivo do projeto Screening Room, em português, algo como Salas de Projeção. Não haveria mais filas, pipocas caras, ingressos ou estacionamentos; todo o dinheiro poderá ser gasto para a locação da mais nova estreia que o espectador quiser assistir. Para Déborah Caroline, em um ponto de vista econômico, seria uma maneira de levar mais pessoas a assistirem a grandes lançamentos. “O sindicato dos exibidores e distribuidores lucraria muito com uma parceria, fazendo o mercado cinematográfico se modificar de acordo com o século XXI”.
Matheus Vitorino acredita que pode ser uma boa alternativa, porém é preciso avaliar a viabilidade do projeto. “Principalmente em mercados emergentes como o Brasil, que ainda é um grande consumidor de conteúdo pirateado. Hoje, filmes que talvez nem tenham saído no cinema já estão na mão dos camelôs”. Vitorino cita o caso do filme Tropa de Elite, sucesso nacional que sofreu com a pirataria intensa, tendo cópias vazadas meses antes da estreia. O Screening Room prevê o lançamento simultâneo nos cinemas e na sala de casa por U$50 (cerca de R$180,00) por filme, tendo os consumidores 48 horas para assistir o produto adquirido.
Para evitar o vazamento, o serviço conta com um equipamento antipirataria no valor de U$150 (em torno de R$500) que transmitirá os longas. Tendo em vista a capacidade que o serviço possui em afastar o espectador do cinema e levá-lo para casa, o projeto é alvo de muitas críticas na indústria. Ainda assim, conta com o apoio de nomes como Peter Jackson e Steven Spilberg. O Professor do curso de Jornalismo na UFG e Coordenador do Perro Loco - Festival de Cinema Universitário Latino-Americano, Juarez de Maia, aponta que a empreitada não vai prejudicar os cinemas, visto que existem dois mercados que vão garantir a produção e exibição cinematográfica: o americano e o europeu. “Os estadunidenses possuem uma fatia de milhões de pessoas que gostam de frequentar salas de cinema”, comenta.
Juarez de Maia, que acompanhou a criação do cinema de Moçambique, lembra a época em que a televisão surgiu e ocorreram discussões sobre como ela iria quebrar as salas de exibição em detrimento das produções para se assistir em casa. O cinema brasileiro sofreu com este surgimento, visto que o mercado era muito pequeno e não tinha a capacidade de se reproduzir, assim as pessoas deixaram de frequentá-lo para assistir a televisão em suas moradias. Ainda assim, continuou no mundo inteiro com o mercado americano e o europeu servindo de pilar. A partir dos anos 1.990 e 2.000, as salas de cinema voltaram com muita força, tendo como exemplo aqui em Goiânia, o Cine Ritz. “Serviços como a Netflix não roubam os espectadores do segmento cinema, visto que são mercados diferenciados”, afirma.

O estudante de Direção de Arte da Universidade Federal de Goiás (UFG), Marion Sabino, ressalta a existência do Vale-Cultura. Criado pelo Ministério da Cultura com o intuito de estimular o acesso a shows, cinema, exposições, livros, entre outros, o benefício consiste em R$50,00 mensais que é concedido a trabalhadores de empresas que aderem ao programa. Em âmbito nacional, é uma excelente maneira de garantir

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Independente da qualidade dos produtos lançados online e fisicamente serem diferentes, o Professor Juarez diz que o cinema é um local para a diversão e o glamour. Para ele, os serviços de streaming se voltam a um público que busca grandes temas, um público mais intelectualizado e diferenciado. “Existem dois tipos de massa: a que consome filmes em casa e não se deslocam para as salas de exibição e a que gosta de ir ao cinema. Sempre vai haver esse segundo aglomerado. O mercado de cinema não acaba”, comenta sobre o Screening Room. Maia afirma que independente do avanço tecnológico que o tempo trouxer, ele apenas servirá como um benefício a mais para agregar novos públicos aos filmes, pois “não deixará de existir um público fiel que gosta de frequentar aquele espaço”.
Cristiano Sousa concorda que exista um mercado para todos e que é possível uma convivência. “Os demais serviços não tiram as pessoas do cinema. O lançamento pode ser nele, pode ser em streaming e em projetos como o Screening Room ao mesmo tempo. Um não anula o outro e sim agrega mais interessados nas produções de audiovisual. Existe o público que gosta de ir diretamente à sala de cinema convencional como um ritual de relaxamento e que pode consumir de diversas formas o produto que tem interesse”, comenta. Todavia, a revista estadunidense, Variety, afirma que alguns exibidores no país ainda resistem contra o projeto, alegando não ver potencial no plano e que a iniciativa incentivaria o público a permanecer em casa.
A atmosfera e a paixão pelo ritual de se ir ao cinema é o que mais chama atenção para apontar que o mercado de exibição de filmes continuará forte. O estudante Jean Souza vê o streaming e a exibição em domicílio como aliados aos exibidores, afirmando que os dois não são capazes de ameaçar o mercado de cinemas, principalmente por não conseguirem reproduzir seu ambiente. “Nenhum filme em casa vai substituir o ritual de se arrumar, comprar o ingresso e aquela saborosa pipoca do cinema, além da sensação de estar fazendo um programa divertido. São entretenimentos diferentes em que o público acessa por motivos distintos”, garante Déborah Caroline.
Festivais
No âmbito dos festivais de cinema independente, Matheus Vitorino acha que possuem uma logística de público e exibição favorável a eles. “Em Goiânia temos o Goiânia Mostra Curtas, que recebe verba de leis de incentivo à cultura, então podem ter a entrada franca. Ao contrário de um cinema comercial, que precisa daquela renda para pagar os custos com o filme, a sala de exibição, o aluguel do espaço no shopping. Tudo isso pesa no valor do ingresso”. Cristiano Sousa destaca que se os filmes de um festival estiverem online, não haverá necessidade em se ter “um festival”. “Eles geralmente buscam o público em geral, abrindo as portas para todos. É preciso prestigiá-los como ponto de exibição e oportunidade de ver projetos de audiovisual diferentes e criativos”.
Ao contrário dos dois, Déborah Caroline diz que os festivais de cinema são muito flexíveis e se adaptam a mudança do mercado para que sempre seja possível dar a oportunidade de exibição às produções não comerciais. Para Marion Sabino, a divulgação de tais eventos poderia ser maior, visto que os tornariam mais conhecidos pelo público. “Atualmente, existem muitas pessoas produzindo conteúdo próprio e isso só tem a aumenta no futuro. Assim, os festivais tendem a crescer e trazer mais público”, afirma.
Futuro
O Coordenador do Coletivo Magnífica Mundi na Faculdade de Informação e Comunicação da UFG, Professor Nilton Rocha, relata que o caminho seguinte é a construção e popularização de mais complexos no Brasil. Rocha destaca o exemplo do projeto Circuito Spcine, na cidade de São Paulo. Serão implantadas 20 salas de cinema gratuitas em suas regiões periféricas até o final de 2016. "O futuro está na socialização da cultura. Com este projeto, é possível desmanchar o monopólio do consumo criado pelos multiplex", afirma reiterando que tais locais esvaziam as possibilidades do cidadão de interagir e participar de produções culturais, visto que o interesse econômico da alocação salas de cinema nos shoppings é um "golpe" para estimular o comércio. "As pessoas pagam caro e ficam diante de incontáveis estímulos visuais que as encorajam a gastar", conclui.
Os números para o setor cinematográfico em 2015 fecharam em alta. 172.9 milhões de espectadores foram registrados nas salas de cinema do Brasil, o que representa um crescimento de 11.1% em relação a 2014. Os dados são da Superintendência de Análise de Mercado da ANCINE e mostra uma renda de R$2.35 bilhões gerada pelas bilheterias. Os números foram publicados no Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual (OCA), apontando um crescimento recorde no país, com mais de 3.000 salas em funcionamento, tendo inaugurado um total de 58 complexos, com mais 11 sendo reabertos. O número que não era atingido desde 1977.
Embora existam mercados crescentes que possibilitem outras formas de assistir filmes - ou ainda questões econômicas de destaque -, os números acima, em conjunto com a série de dados apresentados no decorrer do texto, demonstram que a indústria de salas de cinema permanece no gosto popular. O estudante Marion atenta que "ela continuará sendo uma alternativa única e insubstituível àqueles que possuem apreço diferenciado pelo conjunto da obra exibida. O ritual, a atmosfera, o glamour, o momento de se sentar diante de uma grande tela branca pode sofrer alguns impasses, no entanto, sempre terá seu lugar ao Sol".