top of page

Cinthia Heloani

Microcefalia não é o fim

Mas beijar um leproso não é bondade sequer. É auto-realidade, é auto-vida, mesmo que isso também signifique a salvação do próprio leproso. Mas é antes a própria salvação.

Clarice Lispector, em A paixão segundo G.H.

 

Sentir uma dor imensa, como se estivesse quebrando suas costelas e ossos, a barriga endurece, dor, dor, dor... É assim que imagino uma mãe em trabalho de parto. Naquela sala com a luz mais ou menos fraca, cheia de médicos e enfermeiras ao seu redor, com as pernas ao alto ou com o pano cobrindo a metade da barriga para baixo, o que será que uma mãe pensa nesse momento? Oh, claro. "TIREM ESSA CRIANÇA DE MIM." Dar à  luz significa trazer ao mundo mais um ser humano, mais uma esperança de mudar gerações. E quando se dá à luz a uma criança com microcefalia? O que significa? Ora, significa que nasceu mais um ser humano. E que também nasceu a esperança. Pensar demais para responder a essa questão significa uma ideia de mundo que não considera os sonhos inerentes a cada ser. 

 

A microcefalia é uma doença relacionada ao vírus da Zika juntamente com o vírus do mosquito Aedes Aegypti. Trata-se de uma doença para a qual ainda não há cura ou vacina. Os cuidados tomados para prevenir a doença são realizados pelas mamães ainda grávidas, evitando expor seus corpos por completo às picadas dos insetos, com roupas de mangas e trajes longos. E também passando repelentes.

 

Histórias

 

Grávida aos 18 anos, Alexia Annelycia, moradora do Estado do Ceará, assim que viu o rosto do filho no momento do nascimento, viu que Henri era diferente. Com a confirmação do médico sobre o bebê ter microcefalia, a mãe jovem teve medo, receio, mas decidiu seguir em frente. "A incerteza de ter um filho com microcefalia é grande, mas a forma com que a criança evolui e se mostra prestativa às atividades é de se encher os olhos." A mãe usa sua rede social do Instagram, com mais de 30 mil seguidores, para ajudar quem se encontra na mesma situação que ela.

 

Já a mãe de Nicole Graciliano soube que a filha teria microcefalia ainda no útero. "Eu descobri com  27 semanas em uma ultrassonografia morfológica. Antes disso, não tinha aparecido nada em nenhum outro exame. Em relação às redes sociais, ela também diz que criou o Instagram para ajudar e, principalmente, ser ajudada. "A princípio, era apenas para ajudar outras mães, depois foram aparecendo pessoas e empresas para fornecer apoio", comentou.

 

Cristiane, que deu à luz a Giovanna, relata como foi difícil olhar nos olhos da criança no momento em que encostam o bebê ainda quente e sujo de sangue sobre o ombro da recém-mãe. "Eu não conseguia pensar em nada, só acho que o tempo congelou assim que ouvi o choro dela. Eu queria pegá-la, mas cresceu um medo gigante em meu peito com medo de machucá-la ou de não conseguir segurá-la com meus braços, pois me sentia fraca como mãe e fracassada como ser humano. Ela era especial, era isso que eu ouvia o tempo todo no hospital, como se quem nascesse "normal" fosse apenas mero normal”. 

 

E ela continua: “acalmaram-me com algum medicamento que faço questão de nem saber qual era. Mas eu olhava para meu marido e conseguia enxergar através dos olhos dele que tudo ficaria bem, que conseguiríamos porque essa era a nossa missão. Eu sonhava com aquela cena em que as visitas chegam para receber o novo morador da casa. Mas vi minhas amigas se afastando e outras – que nunca imaginei! – se aconchegando em meu lar”. 

 

Segundo conta a mãe, a Giovanna passou a ser a estrela do hospital, pois chegavam médicos e repórteres a todo instante, querendo saber do bebê que tinha acabado de nascer. “Vamos toda semana à fisioterapia e não duvido da capacidade dela, agora com quase 1 ano. Ela melhorou bastante. Não enxerga exatamente as cores, e fica desnorteada quando escuta um barulho, tentando de imediato identificá-lo. Mas eu vejo através do sorriso dela o motivo de estar nesse lugar hoje."

 

Cristiane ressignificou, a partir da filha Giovanna, sua força e fé na vida. “Deus, Jeová, Rafa, Buda, Alá, ou qualquer entidade que seja, me fez renascer como mulher e enxergar através da minha pequena dor que as mães são de uma aptidão superior a qualquer ser inimaginável. Eu escolho ela se mil vezes for necessário! Não por achar que ela é especial diante de um fato, mas por achar  que a Giovanna foi o maior presente que eu poderia ter ganho. "Valeu a pena aguentar os olhares assim que descobri minha gravidez com 17 anos. Valeu a pena assim que vi o rostinho rosado e sangrento dela saindo do meu ventre. E valeu a pena todas as vezes em que ouvi absurdos sobre a criação dela. Aliás, qualquer criança: vale a pena.

 

Projeto

 

As mães atualmente participam do projeto "Microcefalia não é o fim", pelo qual buscam a visibilidade da sociedade em relação às crianças. Por meio da proposta, elas também falam sobre prevenção, impulsionando cuidados com relação à microcefalia, além de buscarem por novas pesquisas. Com o projeto arrecadam mantimentos às crianças, materiais de higiene pessoal. Mas o mais importante: com ele, elas mostram que possuem forças e amor para que os filhos cheguem aonde quer que queiram.

 

Uma família de São Bernardo do Campo, cidade do interior paulista, também criou o Projeto “Cabeça e Coração” para que qualquer pessoa – que esteja sensibilizada com as dificuldades das mães – possa ajudar por meio do site. Nele, as mães, por meio de suas histórias, após mostrarem suas trajetórias e percalços, dizem o que precisam de mantimentos.  Por meio da descrição dos produtos, as doações são estimadas em valores.

 

Quanto à assistência governamental, vê-se que ela é insuficiente. O governo dá assistência às famílias por meio de conduções em carros, para que elas  possam ir até o médico. Mas isso é muito pouco, pois a família necessita colocar o combustível de volta para casa, o que complica a situação, já que existem mães que saem de um Estado ao outro. Nesse contexto, é bom ressaltar: mães são, de fato, as únicas heroínas que eu conheço.

Foto: //Reprodução

Histórias de quem, ao se deparar com a notícia de que os filhos teriam microcefalia, enfrentou os preconceitos, as barreiras sociais e ganhou, de presente, um novo sentido à vida

bottom of page