Natália Moura
As consequências efetivas das ações do Estado em antiga ocupação

Baseado na Constituição Federal, terra precisa cumprir sua função social. Portanto, há dez anos quando famílias ocuparam uma grande região ociosa do Parque Oeste Industrial e foram brutalmente expulsas pelo poder público, quem cometeu um crime foi o próprio Estado. Hoje, a área da antiga ocupação é tomada por condomínios populares. Enquanto isso, os antigos ocupantes vivem em um bairro periférico.
A repressão do Governo se transformou em menosprezo. Campanhas políticas mostram as ações do Poder Público sempre como benefício àquelas famílias e àquela terra. A prioridade dada à especulação imobiliária acarreta em uma série de problemas. Tais como, o aumento da criminalidade de jovens, o preconceito e a superlotação urbana, como observa Eronilde Nascimento, uma das antigas ocupantes do Parque Oeste, e acrescenta que esses problemas quando denunciados são ignorados.

Sonho Real
Em maio de 2005, cidadãos cansados de morar de aluguel ocuparam espontaneamente uma grande área, que não cumpria sua função social desde 1957, a necessidade daquelas pessoas acarretou na maior ocupação urbana já ocorrida em Goiânia. O nome dado pelos moradores ao então bairro era “Sonho Real”.
Real Conquista / Foto: Lucas Botelho
Opressões mundiais / Foto: Reprodução da internet
Mesmo com as frequentes promessas de políticos de que aquela terra era garantida aos ocupantes, menos de um ano após ter sido ocupada, a Polícia Militar, iniciou duas operações para desocupação da área, a operação inquietação, consistida em dez dias de tortura noturna aos moradores, e a operação triunfo, retirada das famílias por policiais militares que deixou dois mortos, cerca de 20 feridos e 800 pessoas detidas.
Eronilde da Silva Nascimento, que participou da ocupação e hoje mora no Real Conquista conta que a proprietária do local na época pediu 30 milhões ao poder público para que os ocupantes pudessem ficar. “Não estávamos pedindo pro Estado construir nada, era só legalizar a área, por energia, essas coisas que precisa pra um bairro se consolidar” – declarou. Apesar disso, o Estado seguiu com a decisão da retirada, onde foram gastos 63 milhões.
Real Conquista
Após a desocupação do Parque Oeste, as famílias não se dispersaram, continuaram juntas em ginásios e igrejas, e um tempo depois em um acampamento no Setor Grajaú. Isso foi uma estratégia de pressionar o poder público, para que esse cumprisse a promessa de moradia a todas as famílias.
Um novo bairro seria construído, o Real Conquista, que teve sua primeira etapa entregue, ainda, em 2006. Essa parte inicial contava com aproximadamente 200 casas, feitas as pressas e que até hoje têm suas infraestruturas comprometidas, o critério de qual família sairia do acampamento para uma casa no bairro era baseado na necessidade da família e foi assim até serem entregues todos os módulos do setor.
O bairro se localiza onde antes havia em uma antiga fazenda próximo ao Setor Garavelo, em uma região periférica, beneficiando mais uma vez a especulação imobiliária ao ampliar a zona urbana da metrópole. “Entra aquela questão que é o direito da cidade, tirou a gente de dentro da cidade e desapropriou uma fazenda na região para nos colocar” declarou Eronilde.
A etapa nove, última do bairro, foi entregue ano passado. Mas, mesmo com as casas prometidas construídas, o Real Conquista só possui uma linha de ônibus, uma creche, um posto de saúde e uma escola de ensino fundamental, não conta com esgoto e nem com áreas de lazer.
Tudo isso contribui para o aumento da criminalidade de jovens no setor, pela falta de uma escola de ensino médio muitos deixam de estudar e caem no mundo do tráfico. A inexistência de atividades para as crianças e adolescentes é outro fator determinante nessa realidade, o estado continua a matar pessoas da antiga ocupação do Parque Oeste, desta vez indiretamente. “O mesmo estado que matou lá, mata aqui, até com mais força” acrescenta Eronilde.
As duas praças aprovadas para a construção, que teriam o nome dos dois mortos na operação triunfo, Pedro Nascimento da Silva e Wagner da Silva Moreira, ainda não contam com previsão de construção. Além dessas duas praças, moradores do bairro lutam para que uma terceira seja construída em homenagem a Brad Will, fotógrafo americano morto no México em 2006.
Repressões Mundiais
O grupo Mídia Independente (CMI) participou de forma significativa da luta na ocupação do Parque Oeste, entre seus membros estava Brad Will, um documentarista americano conhecido por mostrar lutas em vários lugares do mundo, inclusive, na ocupação Sonho Real no Brasil.
Brad participou em 2006 de uma Insurreição Popular em Oaxaca no México. O movimento havia sido iniciado por uma greve de professores, mas atingiu proporções políticas e tornou-se uma revolução popular formada por barricadas. Em meio a isso Brad foi morto.
Com sua câmera na mão, que continuou a gravar, e um tiro de fuzil no peito Bradley Roland Will, de 36 anos, foi mais uma vítima da opressão feita a movimentos populares. O CMI lançou em 2008 o documentário “Brad, uma noite a mais nas barricadas” que conta a história de vida do documentarista.