
Tiago Madureira
Contratam-se pessoas tatuadas

Não há como negar, elas estão cada vez mais visíveis. Seja atrás de balcões de lojas em shoppings centers ou à frente de uma sala de aula, em escritórios e, até mesmo, na carreira militar elas aparecem e brilham. Coloridas, sofisticadas e ganhando cada vez mais o status de bom gosto, as tatuagens estão sendo vistas, cada vez mais, de forma não preconceituosa. E, com isto, as pessoas tatuadas estão tendo maiores possibilidades de ingressar e crescer nas suas escolhas profissionais.
Desde suas raízes ancestrais, quando surgiram com significados espirituais ou característicos a dadas etnias, a tatuagem passou por diversas fases que a ressignificaram perante a sociedade. Se até bem pouco tempo atrás ela estava ligada, no imaginário popular, a tribos urbanas e outros setores marginais, hoje ela estampa a pele de pessoas que ocupam os mais variados espaços. Quer saber se tatuagem é tendência na moda? Basta olhar o número crescente de artistas, atletas e celebridades que ostentam desenhos cada vez maiores e elaborados. E não é apenas considerado cult, é bem mais do que isso. É sexy e um apelo quase irresistível em tempos modernos.
Tatuagens no mercado de trabalho
Geralmente jovens, conquistando seus primeiros espaços profissionais, podem ser vistos tatuados e trabalhando por Goiânia. O grande número de estudantes universitários e o próprio cosmopolitismo da cidade – que, estando no centro do país, recebe migrantes de todas as regiões – possibilitam um cenário crescente para esses trabalhadores atuarem.
Foto: //Reprodução
Alçadas ao patamar de sonho de consumo, tatuagens ganham visibilidade entre jovens trabalhadores

Foto: Letícia Silvestre
Em pesquisa virtual realizada para esta reportagem, com 100 pessoas entrevistadas, na faixa etária dos 16 aos 39 anos, a maior aceitação social foi evidenciada. Em uma amostragem apenas dos entrevistados com tatuagens, quando perguntados se já perderam alguma oportunidade de emprego por terem os desenhos, uma minoria, 15,9%, respondeu que sim. Em uma pergunta direcionada a todas as pessoas, ao serem indagadas se contratariam funcionários tatuados, caso estivessem em posição de chefia, 96,6% responderam que sim.
Rafaela, entre as prateleiras de livros, garante: “nunca senti nenhuma forma de discriminação”
Em uma livraria do Shopping Flamboyant, Rafaela Mariano, 21 anos, há mais de dez meses funcionária da loja, é sorridente e muito tatuada. Impossível não notá-la. "Os clientes sempre olham, mas nunca senti nenhuma forma de discriminação", diz a jovem. "Este não é meu primeiro emprego. Já trabalhei em outros lugares e as tatuagens nunca foram um problema que me impediu de conseguir alguma vaga", enfatiza Rafaela, para reforçar o entendimento de que as portas estão se abrindo com maior facilidade.

Link para consultar planilha completa com respostas a pesquisa (https://docs.google.com/spreadsheets/d/1Mw6D0aV3-hm_ob1kE7raO2yYFbLQ5Ql4dK8lbARc9CA/pubhtml)
Mais significativo que isto é a orientação do Supremo Tribunal Federal, em decisão dada em um julgamento de recurso de um candidato desclassificado em concurso para Bombeiro Militar, em São Paulo. Na época, o edital do concurso previa a desclassificação de quem tivesse desenhos que "atentassem contra a moral e os bons costumes", ou que ficassem à mostra quando do uso do uniforme corporativo. Contudo, por 7 votos a 1, os magistrados decidiram: esse tipo de proibição é inconstitucional. A restrição só se aplica caso a tatuagem contenha mensagem que ataque os "valores constitucionais", como incitação à violência, discriminação racial e apologia à tortura.
Para o major da PM, Valdemir Medrada, presidente da União dos Militares do Estado de Goiás (Unimil), "essa é a decisão mais respeitável que o STF poderia tomar, pois vem para corrigir o preconceito". O major fez essa afirmação em vídeo publicado no site da instituição que preside. "Foi-se o tempo que tatuagem era algo feito apenas em presídios. A tatuagem é arte. Pelo mundo todo, pessoas trabalham e sustentam suas vidas e famílias com essa arte."
Com catorze tatuagens e "alguns piercings", a vendedora Jéssyca Cristina Almeida é outra jovem mulher tatuada que garante nunca ter enfrentado dificuldades para encontrar colocação no mercado de trabalho. "Mas eu sempre procurei me adaptar ao mercado, buscar alternativas em empresas que tivessem um perfil mais aberto", diz Jessyka.

Foto: Acervo pessoal
A vendedora Jessyka Cristina exibe algumas de suas tatuagens
"Se você é profissional e capacitado, o mercado não vai excluir você de imediato, pelas tatuagens. É claro que ainda existe um preconceito, mas ele é mínimo." E conclui: "muitas vezes a gente deixa de ir a um local procurar uma oportunidade de emprego porque acha que não vão nos aceitar. Eu já passei por isso. Fui a uma entrevista e fiquei com medo, achando que não me contratariam. Mas, para minha surpresa, consegui o emprego e foi uma temporada maravilhosa. A gerente nunca teve preconceito, os clientes super curtiam! Foi muito legal"...
A tatuagem como emprego
Com a positivação constante, o campo de trabalho para o profissional de tatuagem só aumenta. Inclusive esse status, de profissional, é algo recente. Basta notar, em todas as regiões de Goiânia, o número imponente de estúdios dedicados a essa arte. Muitos deles estão situados em áreas nobres, movimentando um mercado cujo poderio financeiro é emergente. E, de acordo com os trabalhadores e donos de negócio nessa área, há previsões de crescimento a galope.
Se o horizonte se apresenta tão animador, é para ele que, com confiança, jovens talentos têm se voltado. Vendo a realização do seu sonho profissional se transformar em algo mais palpável, ao menos pela desmarginalização, muitos têm empenhado esforços e recursos para construir uma carreira. Guilherme Bernardino tem 21 anos, é estudante de Biblioteconomia, mas profissional da tatuagem já há alguns anos e com algumas vivências para contar.

Foto: Acervo pessoal
Guilherme durante uma sessão de tatuagens
"Há dois anos e meio, atuo profissionalmente. O começo é muito difícil. Você precisa aprender muita coisa antes de ter credibilidade, fazer uma série de cursos de higiene, de biossegurança e tudo mais que envolve. E a aprendizagem é constante", comenta Guilherme acerca do processo que envolve a formação profissional. "Apesar das dificuldades, é viável financeiramente, para quem está começando, ser um profissional da área. Se você tem inspiração e amor pelo trabalho que faz, vai ter resultados".
Pertencimento e luta
A emergência das tatuagens, capitaneada, principalmente, pelos desenhos ostentados nos corpos de celebridades, parece uma tendência de moda. "Com a maior aceitação, as tatuagens vêm sendo usadas pelos indivíduos como uma forma de expressar pertencimento a algum grupo, assim como as tendências na moda. Ao mesmo que unifica pessoas, também classifica as maneiras como essas pessoas pretendem ser vistas pelos outros", analisa a designer de moda Amanda Santos.
Mas, ao contrário das tendências na maneira de se vestir, que são intervenções quase passageiras, as tatuagens trazem à tona um maior poder reflexivo, mais permanente e profundo. "As tendências de moda são sempre muito genéricas, superficiais. Na tatuagem, acredito que, por mais que role uma tendência, rola também a autoidentificação do indivíduo. Você não tatua uma coisa com a qual não se identifica porque é moda! Sem generalizar, porque provavelmente algumas pessoas fazem isso, mas rola o arrependimento! Já, na moda, acontece muito de a pessoa usar algo, com o qual às vezes nem se identifica, apenas para pertencer àquela tendência, ao momento ou a um grupo"
Para a socióloga Márcia Martins é "importante que o STF se posicione sobre esse assunto, uma vez que tatuagem não define caráter. Segundo ela, é inadmissível que indivíduos sejam "proibidos" de assumirem cargos públicos que alcançaram por mérito. A socióloga pondera também que, apesar do cenário de maior aceitação, ainda há muito preconceito sobre tatuagens e modificações corporais.
"Eu mesma sou tatuada e já fui questionada sobre a imagem que poderia passar para os alunos", confidencia Márcia. "É triste perceber que, em pleno século 21, ainda tenhamos que nos deparar com esse tipo de discriminação. Contudo, alguns passos para superar esses resquícios vêm sendo dados”, pondera.
No mundo colorido e charmoso das tatuagens, vale dizer: gostem ou não, elas estão por aí! E por aqui, e por ali. Em todos os lugares. E vieram para ficar. Apesar de as possibilidades oferecidas pela cirurgia plástica, para remover os desenhos dos arrependidos é necessário muito dinheiro para investir. Tatuagem é decisão para a vida toda. Para sempre. E o direito a elas é algo que uma grande parcela da juventude trabalhadora faz questão de dizer: “não abro mão”.