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Lucas Xavier

AS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS EM GOIÁS

Foto: Lucas Xavier

Desde 2002, a implementação das Organizações Sociais (OS’s) na gestão de orgãos e instituições públicas experimentou um progressivo aumento em Goiás. As primeiras experiências aconteceram na área da saúde, aos moldes do Rio de Janeiro. Atualmente, os principais hospitais públicos do estado são geriado por OS’s, como o Hospital de Doenças Tropicais (HDT), Hospital de Urgências Governador Otávio Lage de Siqueira (Hugol), Hospital de Urgências de Goiânia (Hugo), Hospital Araújo Jorge (HAJ) etc.

Em 2015, o governo de Goiás projetou experimentar o modelo na educação e anunciou que até o fim do mesmo ano 300 escolas públicas passariam a ser geridas por Organizações Sociais. A ideia seria implementar um modelo na gestão segundo as chamadas “charter schools” americanas, que obtiveram sucesso nos EUA. O projeto gerou polêmica e, após pressão de professores, estudantes e do Ministério Público, foi adiado.

 

As OS’s

 

De acordo com a Lei L nº 9.637,de 1998, as Organizaçõs Sociais são pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde. Desde que a lei foi sancionada, as organizações sociais passaram a ser progressivamente utilizadas na gestão de orgãos e instituições públicas em todo o país, seguindo um modelo de compartilhamento da administração junto ao poder público.

O professor de direito, Luiz Oliveira Castro, afirma que o modelo de gestão via Organizaçõs Sociais se assemelha à parceria público-privada (PPP). “O vínculo entre as OS‘s e a gestão pública não é institucional, mas sim contratual. A partir desta relação contratual firma-se uma parceria, ou seja, uma colaboração público-privada para prestação de serviços. Este vínculo contratual deixa claro que as OS’s não fazem parte da gestão pública, justamente por não serem institucionalizadas, configurando-se, portanto, como entidades privadas”, explica o professor.

No modelo implementado na área da saúde em Goiás, por exemplo, a OS responsável pela administração na unidade realiza um cálculo da verba necessária para um ano de gestão e faz a solicitação junto ao governo. O gestor público responsável avalia a solicitação e, se aprovada, faz o repasse.

Em 2011 as Organizaçõs Sociais foram popularizadas com a implementação na gestão de dez grandes hospitais do Rio de Janeiro. No ano seguinte, o modelo chegou a Goiás junto com a fama que o estado carioca o concedeu. Entretanto, em 2014, as OS’s da saúde do Rio se envolveram em escândalos de desvio de verba, que somaram um prejuízo de até R$ 180 milhões aos cofres públicos do estado. Atualmente, das dez Organizações Sociais que operam no Rio, oito estão sob investigação.

Em Goiás, as organizações sociais tiveram resultados pecualiares. Em alguns hospitais, os pacientes alegam que os atendimentos foram agilizados e a infraestrutura melhorou. Em outros, foram registrados fechamentos UTI’s, recebimento duvidoso de verba, terceirização de serviços e diminuição dos antedimentos e procedimentos cirúrgicos.

14 anos após a implementação da primeira OS em Goiás, o modelo para gestão é alvo de questionamentos e denúncias

Saúde

 

Atualmente, no estado de Goiás, 16 unidades de saúde, entre hospitais, centros médicos e maternidades, estão sob gestão de OS’s, o que representa quase toda a rede de saúde pública do estado. O projeto foi recebido com grande expectativa de melhorar a situação do sistema de saúde em Goiás, que sofria com falta de leitos, equipamentos e profissionais. No ano passado, os governadores do Distrito Federal e Ceará visitaram o estado para conhecer melhor a prática das OS’s na saúde. Na época, o Hugol, maior hospital público de Goiás, acabava ser inaugurado e foi referência para a visita.

A assessoria de comunicação da Secretaria de Saúde de Goiás informou que os mesmos 12% do orçamento de Goiás são usados, há dez anos, para gerir a saúde local, inclusive após o modelo de OS's. Ainda segundo a assessoria, com a mesma quantidade de recursos, as OS's aumentaram o volume de atendimentos significativamente, além da quantidade de leitos, internações e melhora na qualidade dos serviços prestados. O orgão também garantiu que os hospitais permanecem sendo públicos, gratuitos e de alto nível.

Na gestão por OS, os funcionários são contratados via CLT e não por concursos públicos, como nos órgãos administrados diretamente pelo poder público. Os sindicatos reclamam que o contrato celetista diminui a estabilidade e suprime alguns direitos que o contrato estatutário garante. A assessoria da Secretaria de Saúde disse também que os contratos celetistas são menos burocráticos, fiscalizados pelo Ministério Público, além de evitarem ocorrência de greves.

Em abril deste ano, a promotora de Justiça Marlene Nunes Freitas Bueno interpôs recurso contra decisão que permitiu ao Instituto de Desenvolvimento Tecnológico e Humano (Idetch), OS que gerencia o Hospital Geral de Goiânia (HGG), manter o mínimo de 50% dos servidores públicos que trabalhavam na unidade de saúde antes da implementação da entidade como gestora da unidade. O recurso pede que todos os funcionários efetivos sejam mantidos, independentemente da gestão.

Foto: //Reprodução

Foto: Luiz Mundim

Segundo  os institutos Dieese, Datasus e o Portal da Transparência do Governo, o Instituto Gerir, OS que administra o maior hospital de urgências de Goiás, o Hugo, iniciou suas atividades ainda em 2012, cujo contrato para manutenção do hospital era de R$ 94 milhões. Naquele ano, o hospital fez 9.061 cirurgias, registrou 11.071 internações em enfermarias e 1.230 internações em UTI. Em 2014, o Instituto Gerir recebeu um aditivo no contrato e passou a receber R$ 163 milhões, ou seja, 73% a mais do que o contrato original.

Os atendimentos, no entanto, diminuíram 10,4% em relação aos atendimentos que eram feitos na gestão anterior à OS. Em 2011, o Hugo havia feito 325.641 atendimentos ambulatoriais. Nos três anos seguintes, sob a administração da organização social, o Hospital fez, em média, 287.720 atendimentos da mesma natureza, cerca de 12% a menos.

Para o professor doutor em História da Universidade Federal de Goiás, Rafael Saddi, que se tornou referência na pesquisa sobre o assunto, as organizações sociais realizam manobras para conseguirem lucrar com a administração. “Por lei, as OS’s não podem ter fins lucrativos. Mas existe uma dinâmica da sociedade na qual ninguém monta uma empresa para não ganhar. Ninguém trabalha de graça. Na prática, essas entidades acabam fazendo manobras para terem lucro, como fraudes em obras ou criação de funcionários fantasmas”, alega Saddi.

No final de 2015, o Ministério Público do Estado do Rio (MPRJ) expediu mandados de prisão contra os irmãos Valter e Wagner Pelegrine, responsáveis pela Organização Social Biotech e presos na Operação Ilha Fiscal. Os irmãos Pelegrine são acusados de desviar R$ 48 milhões dos cofres públicos da capital carioca. As verbas eram repassadas pela Prefeitura do Rio à Biotech para a administração de dois hospitais da cidade.

Outro escândalo envolvendo as OS’s da saúde aconteceu recentemente em Aparecida de Goiânia. O Centro de Referência e Excelência em Dependência Química (Credeq) Jamil Issy, que foi inagurado em junho deste ano, mantinha uma folha salarial com 21 funcionários fantasmas e recebeu, desde 2014, R$ 5 milhões. A Organização Social Luz da Vida, entidade selecionada para administrar a unidade de saúde, informou em nota que os valores repassados são para despesas pré-operacionais. “Para que a unidade possa funcionar, ela precisa estar preparada”, afirmou através da nota. Após denúncia divulgada pelo jornal O POPULAR, a folha de pagamento sumiu do portal de transparência do governo.

O professor Saddi explica que na gestão via OS é mais fácil criar funcionários fantasmas devido à forma de contratação, que é via CLT. “O contrato por CLT, e não estatutário, facilita a criação de funcionários fantasmas que aparecem na folha de pagamento, mas não existem. O sistema de OS torna mais fácil o processo de desvio de dinheiro público”, completa.

O governador Marconi Perillo, em entrevista coletiva no ínicio deste ano, afirmou que além de melhorar a qualidade e eficiência do serviço, as OS’s representam uma economia aos cofres públicos. Na ocasião, Perillo comparou a situação do estado de Goiás com o Distrito Federal. Segundo ele, enquanto no DF, onde não há gestão via OS, o orçamento  para a saúde em 2016 foi de R$ bilhões, em Goiás, que tem mais que o dobro de habitantes, o orçamento total foi de R$ 1,8 bilhão.

 

Educação

 

Após conquistar a reeleição em 2014, o governador Marconi prometeu “melhorar a educação aos moldes da saúde”. No segundo semestre de 2015, Perillo publicou um decreto que garantia a transferência da gestão de 300 escolas públicas para Organizações Sociais até 31 de dezembro do mesmo ano.

Com a publicação de um edital de chamamento para entidades interessadas em gerir as escolas, o governador pretendia experimentar, pela primeira vez no Brasil, o modelo de gestão na educação. O projeto, que ainda não aconteceu, gerou questionamentos e manifestações.

Manifestações

           

Após a publicação no decreto, em outubro de 2015, uma série da manifestações passaram a ocorrer, principalmente em Goiânia. Um grupo de estudantes e professores se organizou para cobrar da Seduce o adiamento do projeto e um diálogo com a população sobre o projeto que, segundo os manifestantes, foi pega de surpresa com o decreto.

No final do ano, um total de 28 escolas foram ocupadas em Goiás. Os estudantes pediam que o projeto de transferência da gestão das escolas para as Organizações Sociais fosse suspenso. Algumas escolas também foram ocupadas contra a militarização de escolas públicas, que também pretendia finalizar o ano com 50 novos colégios militares em Goiás.

A estudante do Colégio Estadual Pré-universitário (Colu), Rebeca Calgaro, participou da ocupação da primeira escola, o Colégio Estadual Professor José Carlos de Almeida. “A nossa ideia foi inspirar outras escolas para que elas se mobilizassem e ficassem de olho, porque a lista das escolas que seriam geridas por OS’s não havia sido liberada. A ideia do governo era de implementar o novo modelo durante as férias e, quando os estudantes iniciassem o ano letivo, uma empresa estaria administrando a escola e 50% dos professores efetivos teriam sido demitidos”, afirma a estudante.

O Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO) também se manifestou contrário ao projeto. Em março deste ano, o MPGO, através da promotora Carla Brant, de Anápolis, juntamente com o promotor Fernando Krebs, de Goiânia, e o procurador Mário Lúcio Avelar, do Ministério Público Federal (MPF), propuseram uma ação civil pública requerendo, em caráter liminar, a suspensão do edital das 23 escolas estaduais de Anápolis. Em caso de descumprimento, o orgão requeriu a imposição de multa diária de R$ 10 mil ao procurador-geral do estado, Alexandre Tocantins, e à secretária Raquel Teixeira.

Carla Brant disse, na época, que teve acesso a um documento encaminhado pela área do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), do Ministério da Educação (MEC), à secretária Raquel Teixeira, no dia 22 de janeiro. O documento informa que os recursos do FNDE não podem ser geridos por organizações sociais.

Em fevereiro, um grupo de estudantes ocupou o prédio da Seduce. O prédio foi desocupado, no mesmo dia, pela Polícia Militar. Na ocasião, 18 adultos foram presos e 13 menores detidos. A prisão gerou comoção por parte da população e, dois dias após o flagrante, os presos foram liberados. Algumas semanas depois, o novo edital também foi suspenso, pela própria Seduce, por irregularidades.

Recentemente, a Secretaria de Desenvolvimento (SED), responsável pelas escolas técnicas e tecnológicas de Goiás, apresentou um projeto de transferência das 83 escolas profissionais de Goiás para as Organizações Sociais. O Insituito Basileu França, principal escola técnica de Goiás, foi ocupado por estudantes da insituição. Assim como na Seduce, no mesmo dia, a Polícia Militar desocupou o prédio. Ninguém foi preso. No último dia 15 de julho, a SED divulgou uma nota pública que revogou o edital de chamamento das OS’s, também por problemas técnicos.

A professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás, Miram Bianca, questiona que “em 2015, uma das principais escolas estaduais de Pirenópolis, o Colegio Estadual Comendador Christovam de Oliveira, recebeu um total de R$ 16 mil para manutenção geral. O edital de OS informava que o mesmo colégio, com a nova gestão, receberia 1,2 milhão. Se esse dinheiro existe, porque não entregar para a escola pública, mas sim para a Organização Social?”, questiona Bianca.

A Secretaria de Educação, Cultura e Esporte do Estado de Goiás (Seduce), informou que estava fazendo um estudo minucioso do processo para implementar um modelo inovador, que garantisse a evolução das escolas. Mesmo sem entrar em vigor e questionado, o projeto chamou a atenção de todo país e o estado se tornou referência em aplicabilidade das OS’s.

Outro ponto que gerou críticas ao edital foi quanto às entidades inscritas para concorrer ao processo. As onze OS’s que se inscreveram tinham menos de um ano de criação, mesma faixa de tempo que o projeto começou a ser elaborado, o que gerou mais polêmica. Em janeiro deste ano, a Seduce revogou o edital e elaborou um novo projeto, mais detalhado e exigente, que fazia referência à apenas 23 escolas de Anápolis, que seriam uma espécie de teste das OS’s nas educação. O novo edital previa um repasse de R$ 67 milhões para a Organização Social selecionada para gerenciar essas escolas.

A secretária de educação de Goiás, Raquel Teixeira, explica o processo de construção do modelo. “Ao fazer uma gestão compartilhada, na qual convidamos parceiros da sociedade civil para uma espécie de governança estatal, estamos construindo as condições de ter uma administração financeira e burocrática mais a cargo de quem tem mais experiência nisso, e os professores tomarão conta da parte pedagógica. Acredito que teremos muito trabalho, mas obteremos sucesso na criação de um projeto diferenciado”, explicou.

Outra forma de modelo de gestão alternativa nas escolas públicas amplamente adotada em Goiás é a militarização. Goiânia possui alguns colégios modelos respeitados, como o Colégio da Polícia Militar de Goiás Polivalente Vascos dos Reis e o Hugo de Carvalho. Até a metade de 2015, oito novas escolas tiveram suas gestões repassadas para a Polícia Militar. O governador Marconi anunciou, na época, que até o final do ano 50 novas escolas receberiam a gestão militar.

O modelo também recebe críticas por parte da sociedade, principalmente por estudiosos da educação. A principal crítica é quanto à taxa mensal que os colégios militares costumam cobrar. O pagamento da quantia, segundo os grupos gestores, é opcional e destinado para reparos na estrutura e garantia de material escolar. Uma ex-estudante do CPMG Hugo de Carvalho, que preferiu não se identificar, disse que durante todo o ensino médio não pagou a taxa nenhuma vez. No último ano, ao fazer requerimento de seu diploma, a escola negou a emissão do documento por “pendências administrativas”, conta a jovem.

O promotor Krebs também instaurou  inquérito civil público com o objetivo de investigar alguns aspectos da atuação das escolas públicas mantidas pela Polícia Militar no estado. O documento propõe a investigação de cobrança de matrículas dos alunos, o que fere a gratuidade do ensino público garantido na Constituição Federal, segundo o promotor. O inquérito também questiona o cerceamento do pluralismo de ideias e concepções pedagógicas em tais escolas, nas quais impõe-se “a lógica militar na educação, a qual não adm-ite questionamentos”.

MILITARIZAÇÃO

Produção de Texto Jornalístico

 

CURSO DE JORNALISMO

© 2016 por Elisama Ximenes, Nilton Rocha e Vinicius Pontes

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