Eduardo Spicacci
Edgar Franco, um artista contestador
Mineiro de Ituiutaba, Edgar Franco, nascido em 1971, sempre demonstrou um grande interesse pelas histórias em quadrinhos desde sua infância. Tendo se graduado em Arquitetura e Urbanismo pela UnB, com mestrado em Multimeios na Unicamp edoutorado em Artes na ECA/USP, Edgar Franco atualmente é docente da Faculdade de Artes Visuais da UFG em Goiânia.Também é professor permanente no Programa de Pós-Graduação, Mestrado e Doutoradoem Arte e Cultura Visual.
Como ilustrador e quadrinista, possui dezenas de páginas publicadas em revistas do Brasil e da Europa, como aBrazilian Heavy Metal, Mephisto e DragonsBreath. Pela editora Marca de Fantasia, teve publicado seus álbuns Agartha,Transessência e Elegia. Em parceria com Mozart Couto, produziu a obra BioCyberDrama Saga, editada pela Editora UFG.
Imagem: Edgar Franco
Criador de um universo multimídia coeso, Edgar Franco, o Ciberpajé, é um indivíduo que não se contenta em enxergar apenas o óbvio.Do consumismo compulsivo até o atual sistema acadêmico das universidades, nada escapa ao seu olhar crítico.
Também é mentor do projeto musical Posthuman Tantra, com o qual realiza performances cíbridas, que unem elementos do mundo físico com o virtual. Com CDs lançados pela gravadorasuíça Legatus Records e a inglesa 412 Recordings, a banda de Edgar Franco é pioneira no estilo DarkAmbient no Brasil. Sendo também a primeira banda brasileira a usar efeitos de realidade aumentada no palco, o Posthuman Tantra já se apresentou nas principais regiões do país.
Para Edgar Franco, o chamado darwinismo social e a sociedade mercantilista amplificaram a competitividade entre as pessoas e a sensação de que os bens materiais adquiridos nunca são suficientes. Ainda segundo o artista, essa hipercompetitividade tem esfacelado os laços de amizade e até mesmo as relações familiares. “O hiperconsumo é a maior das estratégias dos donos do planeta para aplacar a possível fúria das massas. Você cria desejos idiotas e os transforma em necessidades pelas quais as pessoas são lidas e respeitadas pelos seus pares. Um homem de classe média terá de ter um carro de 50 mil reais para ser respeitado entre seus pares, e ele concentrará todos os seus esforços para adquirir tal bem...”
Ainda segundo o Ciberpajé, grande parte dos produtos consumidos são totalmente dispensáveis. Muitos deles são adquiridos por compulsão ou até mesmo por status. Com isso, cada vez mais o tempo das pessoas é consumido pelas desgastantes jornadas de trabalho. Tal fato muitas vezes inibe potenciais artistas que não encontram tempo para se expressarem. Edgar encontrou uma maneira de burlar essa questão: “Tenho tudo que o dinheiro poderia comprar e que eu necessito.Não preciso de mais nada, não tenho que ostentar nada a ninguém.Minhas buscas hoje são de outra ordem, e tenho cada vez mais criado arte. Sou um artista que sobrevivo do meu hobby de professor e pesquisador.”
Problemas acadêmicos
O sistema acadêmico do qual faz parte também tem sérios problemas apontados pelo Ciberpajé. Para ele, a universidade desvirtuou-se de seu objetivo primordial de formar seres pensantes e criativos, tornando-se um espaço para a formação de mão de obra especializada e alienada para atender àsdemandas múltiplas do mercado. “Os cursos de ciências aplicadas estão criando fazedores de traquitanas e os cursos de ciências humanas papagaios de pirata reprodutores do pensamento de teóricos da moda.” – decretou.
Edgar Franco ressalta que a ciência tornou-se um dogma quase hegemônico, que abomina tudo o que é subjetivo e criativo. Para ele, não havendo mais como restaurar ou melhorar esse sistema, a única solução seriaa destruiçãototaldo mesmo e, posteriormente, a sua reconstrução.
Como uma espécie de Cavalo de Tróia, o professor segue com suas funções dentro da universidade, mas sem se curvar perante certos dogmas estabelecidos: “Sigo na academia, pois fora dela não poderia auxiliar a romper com seus paradigmas apodrecidos, mas nunca escrevi um artigo ou criei arte para cumprir tabela, para ganhar nota A1 na avaliação da Capes feito um ratinho pavloviano.”
A comparação de Edgar se refere ao experimento de condicionamento respondente do médico russo Ivan Pavlov, feito na década de 1920. Basicamente, a experiência consistia em tocar um sino toda vez em que determinado cão fosse alimentado. Passado algum tempo com a mesma rotina, os cachorro em questão passava a salivar após ouvir o sino, mesmo não havendo comida no local. O som do sino foi associado à comida pelo animal. O experimento demonstrava meramente uma atitude de resposta via estímulo. Um ratinho pavloviano não pensa: apenas quer a comida, salivando em decorrência do som emitido.
Longe dos estímulos-respostas que negam o pensamento, Edgar Franco segue sua trajetória artística e acadêmica. Elenão se deixa persuadir pelo “sino” das normas e convenções sociais. O professor esclarece que, apesar da alcunha de Ciberpajé, não tem a pretensão de ser alguém que toca o “sino de Pavlov”: “O Ciberpajé não éum guru ou líder espiritual, ou algo nesses termos. Ele é só um ser buscando a única revolução possível: a dele mesmo!”
Imagem: Edgar Franco
Foto: Anésio Azevedo
Os efeitos de realidade aumentada se dão com a utilização de marcadores – que são figuras impressas,decodificadas por um programa quando capturadas por uma câmera –, criando um efeito de animação interativo. Um exemplo disso se dá quando, durante uma das performances,uma animação com serpentes se movimenta no telão em sincronia com o artista.
O Ciberpajé
Tendo assumido em 2011 a identidade de Ciberpajé, não existe mais umadissociação entre a vida e a arte de Edgar Franco. “Sou um artista integral. Todas as minhas formas de expressão são componentes da minha arte, então, para mim, dar aulas é uma forma de performancepela qual expresso o meu ideário de vida, tal como faço com meus trabalhos em múltiplas mídias” – explicou o artista.
A identidade de Ciberpajé surgiu quando Edgar Franco estava próximo de completar 40 anos de idade. Sentindo a necessidade do que ele chama de “renascimento”, o artista fez uma longa reflexão sobre sua vida. Entendeu que sua existência foi pautada pela criação de mundos ficcionais, em especial nos quadrinhos, que cada vez mais se confundiam com sua vida particular. Assim sendo, Edgar se viu como um pajé que promove a relação entre esses mundos em busca da própria cura. Nesse caso, a cura à qual se refere é a busca por ser ele mesmo: livre de imposições da sociedade. Pelo fato de utilizar a tecnologia como um canal de criação, o prefixo “ciber” foi acrescido ao nome, numa referência à cibernética.
Muito bem articulado com as palavras e sempre demonstrando entusiasmo pelos temas abordados em sala de aula, Edgar Franco é uma das figuras mais populares da Faculdade de Artes Visuais. Antes usada apenas em apresentações e eventos, a icônica cartola vermelha já faz parte da imagem do professor em tempo integral. Ao contrário de seus extravagantes anéis, outra característica visual do Ciberpajé só é notada pelos mais atentos: ele usa um tênis diferente em cada pé.
Sociedade consumista
Em toda sua obra, seja nos quadrinhos ou na música, há um constante alerta ao consumismo exagerado perpetrado pela sociedade em detrimento ao seu vínculo com a Terra e o universo. “Minha obra é sobre a busca do amor incondicional e sobre a reconexão de nossa espécie humana com a natureza e o Cosmos. O ser humano, ao longo dos últimos dois milênios, afastou-se cada vez mais de sua essência animal e natural, abandonou sua bela selvageria, a capacidade de estar no presente, de viver o agora”.
A obra BioCyberDrama Saga, produzida em parceria com o ilustrador Mozart Couto, apresenta alguns desses dilemas apontados por Edgar. A trama, ambientada num futuro distante, na chamada Aurora Pós-Humana, mostra uma realidade na qual é comum a fusão entre seres humanos e máquinas, assim como experimentos genéticos que criam seres híbridos, que misturam humanos com animais. Os que não optam por essas mudanças e seguem como seres humanos “comuns” vivem à margem da sociedade. É nesse contexto que o personagem Antônio Euclides é apresentado, um estudante de História em constante crise de identidade, que começa a considerar a idéia de transferir sua mente para um chip em um corpo robótico, num anseio por imortalidade e adequação aos padrões estabelecidos.
Foto: Eduardo Spicacci