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Reprodução

A cidade é um desafio para quem tem limitação física

Quase 25% da população de Goiânia porta algum tipo de deficiência e os estabelecimentos da cidade não são acessíveis

Por Rauane Rocha

No dia 13 de setembro, às quatro horas da tarde, em uma sala de escritório da Associação de Deficientes Físicos de Goiás, Adfego, André Jonas de Campos, vice-presidente da entidade, atendia a uma fila de associados. O atendimento começou por ordem de chegada, assuntos particulares, cada um com sua pasta na mão. A maioria era idoso.  Um adolescente estava acompanhado da mãe e de um garoto mais novo, talvez seu irmão.

 

Ao lado uma criança que não parava de se contorcer na cadeira, também estava acompanhada da mãe. As outras três permaneciam quietas olhando para a televisão. A secretária chamava atenção: deficiente de um braço, não parava na recepção. Entrava e saía com um salto que doía, quando os passos eram trocados no piso. Sua presença nem passou mais a ser notada, mas sua voz soou alto, “garota, é sua vez, pode entrar”.

 

Dentro da sala, a força do ventilador girando deixava um som no ambiente. O senhor atrás da mesa, sentado em sua cadeira de rodas, logo mostrou simpatia. No meio da conversa sobre mobilidade no trânsito ele já não parecia tanto um senhor - era um rapaz que não parava de bater a mão na mesa, que parecia um martelo para cada frase que dizia. O furor vinha de sua luta diária: ele era militante em prol da acessibilidade e do livre movimento das pessoas com deficiência física.

 

Alerta às dificuldades

Em momentos da conversa, Jonas alterou a voz quando falou das leis e da falta de fiscalização. Mostrou um tom pensativo ao dizer que todas as cidades brasileiras apresentam o mesmo problema para as obras de acessibilidade, que é a falta de conhecimento. Na ocasião, afirmou: “às vezes gastam rios de dinheiro em um projeto de acessibilidade em que se poderia gastar o mínimo, e por causa da falta de conhecimento. Isso é o que dificulta as implantações”.

 

André conta que participou de um projeto que, em 2012, tornou a calçada da Rua 10, no setor Universitário, em Goiânia, acessível. Lembrando-se da execução desta obra, ele relatou: “fizemos o projeto com todos os seguimentos, mas nós nos esquecemos que tinha de ter o semáforo sonoro! Havia uma rampa e, nela, acabava-se o piso tátil. Assim, o deficiente visual ia para o meio da rua. Houve essa questão e olha que esse trabalho foi feito em conjunto com pessoas das mais variadas deficiências!”, relata, alertando para a dificuldade de se propor um projeto com adaptações perfeitas.

 

Denúncias apuradas

 

Diferente da Rua 10, a cidade não é toda acessível. Os altos e baixos das ruas permitem que um tropeço, uma queda em um buraco ou que uma calçada alta atrapalhe o caminho. Enquanto a situação dos cadeirantes ainda é difícil, obras acontecem nas vias da cidade – as ruas de Goiânia estão recebendo o piso tátil.

 

Para somar esforços no sentido de manter a cidade mais acessível, o Ministério Público de Goiás recebe denúncias de pessoas com algum tipo deficiência que, por algum motivo, se sentiram lesadas ao visitar um estabelecimento, parque ou qualquer outro local.

 

A entidade trabalha em parceria com o Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Goiás (Cau-Go) e, enviando ofício ao órgão, pede para que ele faça vistoria e verifique se a denúncia procede. Giovana Jacomini é a gerente técnica do Cau-Go e é a responsável por fazer essas visitas.

 

Ao lado de quatro colegas de trabalho, em uma sala do terceiro andar do edifício Concept Office, que fica na Vila Maria José, ela fala como faz seu trabalho. “Na vistoria verifico se o local atende às normas que pede a legislação - NBR 9050, norma brasileira de acessibilidade para edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos - o Conselho faz o seu papel de alertar, mas trabalhamos mesmo é após a obra estar concluída”. Os relatórios de Giovana são publicados no site da entidade, como meio de informar o que foi feito, e as conclusões obtidas na fiscalização.

Foto: Rauane Rocha
Pasta relatório. Documento é o mesmo publicado no site do Cau-Go

Segundo dados do Conselho já foram redigidos 15 relatórios de acessibilidade em espaços públicos. O site registra até o momento quatro vistorias realizadas em 2017: no Autódromo Internacional de Goiânia, em setembro; na Vila Cultural Cora Coralina, em agosto; uma análise do projeto arquitetônico e parâmetros urbanísticos – Empreendimento NEXUS shopping & business, em maio; e, por último, a vistoria do Parque Botafogo, em dezembro.

Nas áreas públicas, a vistoria é de maneira espontânea, pois esses locais são visitados com maior facilidade. “Eu entro no parque e começo a observar”. Quando se trata de estabelecimento privado, a ligação com o pedido de acompanhamento para a vistoria serve de notificação sobre o ofício que o Cau-Go tem em mãos. Giovana lembra que a diferença é que calçadas e estabelecimentos são propriedades privadas e as praças, os parques e as vias são de responsabilidade dos governos municipal e estadual.

Com produção de seminários, o Conselho busca levar ao profissional arquiteto a conscientização de que existe uma legislação – a lei 10.257 – que regulamenta as diretrizes urbanas. Além disso, há o intuito de se atingir a população leiga, que é dona do pedaço da calçada. “As calçadas têm problema de invasão, desníveis, desobediência de tamanho e de dimensão, pisos inadequados. Essa questão afeta a população como um todo, pois é uma questão de saúde. É social”, afirma Giovana.

Após fazer a vistoria, o conselho envia o relatório com as conclusões ao Ministério Público. E é o órgão que faz o acompanhamento da regulamentação, pois é ele quem tem o poder de aplicar a legislação.

 

O gol do arquiteto

 

As novas obras de arquitetura, em sua maioria, já têm a preocupação de que o local ofereça acessibilidade.  Adaptar um prédio é mais difícil. “A preocupação com o cumprimento da legislação e a manutenção estética da obra é o gol do arquiteto”, garante a gerente do Conselho. O objetivo é conseguir unir a técnica e a estética como componentes que afetam o espaço. “O talento do arquiteto é o componente que harmoniza essa composição acessível com o espaço”, completa.

Giovana se preocupa com as obras que não têm o acompanhamento de um profissional e são instaladas de maneira incorreta. “É muito mais barato já fazer certo do que depois quebrar de novo”.  Ela pede que seja exigida a adequação como um todo e não só do piso tátil. “O ideal seria que as exigências fossem feitas de uma só vez. A acessibilidade precisa de inclinação, adequação de pisos, equipamentos e tudo mais”, conclui.

 

A gerente conta que, ao visitar lugares, ouve que nenhum deficiente vai àquele local, mas rebate que eles não freqüentam, justamente, porque não conseguem ir. Segundo Giovana Jacomini, Goiânia não é muito acessível e tem quase 25% da população com algum tipo de deficiência geral.

 

Ela explica que o melhor jeito de conscientizar os comerciantes da cidade é mostrando o quanto isso pode pesar em seu bolso. “É um potencial público significativo que os estabelecimentos perdem por não tornar seus locais acessíveis. Com as barreiras expostas, esse público fica excluído”.

 

Ideal e realidade

 

Qualquer pessoa que tenha ou esteja com uma limitação física pode freqüentar um cinema, assistir ao futebol, viajar, trabalhar, desde que o espaço tenha as adequações necessárias. Vale dizer que existe uma Coordenadoria Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, o Corde.  

 

O órgão de Assessoria da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República é o responsável pela gestão de políticas que integram a pessoa portadora de deficiência. As normas de acessibilidade para deficientes são criadas com base na lei 7.853, do ano de 1989, e no decreto 3.298, de 1999. Incluem sinalizações, tamanho, largura, altura, formato de piso, barras, faixas, iluminação, objetos do espaço, sinais sonoros e níveis de ruídos.

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